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A mostrar mensagens de 2020

A avó do peru

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Escrever sobre os nossos avós, depois de eles partirem, é sempre doloroso, mas acreditem que ainda é mais doloroso para mim. O sentimento de perda foi-se desvanecendo e foi crescendo um sentimento de culpa, que me perturba. Serão a escrita e a partilha a poção mágica para exorcizar esta sensação que me esmaga? No caso da “minha avó do peru”, a dor intensa foi causada pela impaciência e pela pressa com que todos os jovens vivem a sua adolescência e início da vida adulta. Não me permiti aproveitar, com o carinho que ela merecia, a sua sabedoria e a sua doçura. Era a pressa de chegar a Ofir, porque tinha pressa de vir de Ofir. Era a impaciência de não querer parar no caminho para comprar legumes nas vendedoras de estrada junto à Estela, era ralhar porque se demorava mais a arranjar quando a íamos buscar aos domingos, para almoçar em nossa casa. Pior, era não dedicar muito tempo a ouvi-la. Se eu pudesse voltar atrás… (eu tenho vivido com este remorso, apesar de saber que ela me p

A tesoura dos porcos

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A chegada do camião dos porcos era um rebuliço. Estacionado em contramão, à porta da casa do meu Avô, e logo tratavam de colocar o estrado e os taipais. O estrado tinha umas pontas metálicas, em forma de gancho, que se seguravam na carroceria. Depois, encaixavam-se os taipais, para que os porcos não caíssem ou fugissem pelas laterais. Aberta a portinhola, era vê-los a descer. Eles iam de enfiada para os currais, que ficavam à esquerda, depois da adega, por debaixo da eira. Os últimos a serem descarregados eram os cansados, que ficavam numa divisão especial, que se situava a meio do camião, num patamar mais elevado. Os porcos são uns animais muito peculiares. Se teimam, não arredam pé e não avançam. Indo o primeiro, vão todos atrás! Eu adorava ver este verdadeiro trabalho de equipa do meu Pai e dos seus empregados, debruçado na janela da sala de jantar, ou mesmo no quintal, logo à esquerda, onde estava o tanque de lavar a roupa, uma espécie de quinta da Tia Alice. Esta fase qu

O Quelhas

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O Arturito é descendente de “Vareiros”, por parte do meu Avô Artur, que já vos apresentei, e “Badanas”, por parte na minha Avó Aida, que nos deixou no ano em que eu nasci. A alcunha de “Vareiros”, segundo reza a história oral da minha família, advém de um ascendente meu, que não posso precisar se era o meu bisavô ou o meu trisavô. Este meu antepassado terá sido uma espécie de almocreve, que vendia peixe de terreola em terreola. Já a alcunha de “Badanas” é uma incógnita para mim. Agradecerei empenhadamente a algum leitor desta crónica que me consiga esclarecer.… A prole dos Badanas em S. Mamede Infesta ainda era extensa. A primeira “Badana” que me vem à cabeça é a minha bisavó, que era tratada por “Avó Bisa”, a Ana Badana. Retenho, na minha memória, as idas a casa da Tia Glória e da Ceusita para a ver.  (Tio Quim, Tia Fernanda, Tia Glória, Tia Alice, Avó Aida Avó Bisa, Avô Quelhas) A minha Tia Isabel, que durante muitos anos foi uma espécie de governanta da minha casa, também era

A aposta

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As horas de almoço, na minha casa, eram muito preenchidas. A Nina (era assim que o meu Pai tratava a minha Mãe) preparava o almoço, o almoço corria tranquilo, mas lá pela uma e meia da tarde começava o corrupio de gente a assistir ao café. Fazer o café na minha casa era um ritual. A Nina fazia café de balão e nós assistíamos ao subir da água e ao descer do café. Colocava a água no balão, acendia a lamparina e esperava que a água subisse. Quando a água estava toda na parte de cima, dava umas mexidelas com uma pequena colher de pau, retirava a lamparina e, pacientemente, o café descia. No entretanto, o aroma daquele café aquecia-nos a alma! A sala onde fazíamos as refeições era ao lado da sala de jantar, que estava reservada para datas mais festivas. A sala era um pouco estreita e, claro está, a minha mãe ficava mais perto da cozinha e o Arturito na outra ponta. Esta sala permitia-nos abraçar o jardim, povoado de roseiras e hidranjas que a Nina tratava com o mesmo carinho com que tra

Aos homens não se oferecem poemas.

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Aos homens não se oferecem poemas. Oferecer poemas é como oferecer flores e só as Mulheres da nossa vida têm direito a receber flores. Também não interessa porque, afinal de contas, o Arturito não era um homem de grandes leituras. Aliás, ele não teve sequer tempo para se dedicar a isso. Recordo, a este respeito, uma carta que enviou a Eduardo Soares, seu irmão (“não sendo de sangue é-o de peito”), em 25 de agosto de 1950, então com dezassete anos, que dizia “Eu, como sempre, tenho muito que fazer e este ano não me vão dar férias, o que é um pouco aborrecido”. As suas leituras eram as viagens de comboio para ir a feiras semanais e “às portas”, ainda adolescente. No regresso era preciso assegurar que naqueles vagões não se perdiam animais. Animais que depois era preciso guiar desde a estação até à casa do meu Avô e depois para os matadouros da Maia, do Porto ou de Matosinhos. Sempre a pé. Começou a trabalhar novo e novo se viu obrigado a lutar, logo no início dos anos sessenta. N

A angústia de um marido casado com uma Professora

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Confesso-te que nos anos anteriores me divertia a ver a tua preocupação com o início do ano letivo. Recordo que ainda o ano letivo anterior não tinha acabado e já estavas a preparar o seguinte. Lá pelos finais de julho encontrávamos-te, pensativa, a olhar para o teu escritório, a ver que volta lhe havias de dar para que a tua inspiração fluísse da melhor forma. Quando ouvia “João, estou a pensar….” só me apetecia fugir sorrateiramente, mas lá vinha uma secretária para eu arrastar. Agosto dentro já te preocupavas com a preparação de materiais novos. Que raio, dizíamos nós, todos os anos dás as mesmas matérias, mas todos os anos fazes materiais novos! No início de setembro o problema era o horário escolar que recebias, com “furos” no meio e que tu tentavas melhorar. Depois vinha o pedagógico, a coordenação, enfim, uma infinidade de problemas (e de soluções) que tu inventavas. Mas tudo isto me divertia. A sério! Este ano não. Estou angustiado por causa de um vírus que insiste

O Pai Piu-Piu e a gaiola encantada

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Era uma vez o Pai Piu-Piu e a sua gaiola encantada. A gaiola encantada tem três piu-piuzinhas, cada qual a mais del icada. A Mãe Piu-Piu é uma piu-piuzinha perseverante, trabalhadora, que traz o ninho sempre arranjandinho, onde não falta uma alpista de qualidade! Fora da gaiola é muito competente naquilo que faz, e os outros passarinhos gostam muito dela. Até chilrea Fernado Pessoa! Contudo, também tem as suas fraquezas, nunca cuida muito da sua saúde, é muito teimosa e, às vezes, muito poucas vezes, ralha por tudo e por nada. Mas sempre uma grande piu-piuzinha. A piu-piuzinha Maria é o espelho da Mãe Piu-Piu. O seu coração é de manteiga, é muito boa aluna, e, muito importante, faz da solidariedade e da amizade um sentimento do dia-a-dia. O Pai Piu-Piu tem muita inveja desta piu-piuzinha, pois gostava de ter sido, ou melhor, de ser, como ela. Mas ele está a mudar! Resta falar da piu-piuzinha Joana. Uma doçura de piu-piuzinha, muito redondinha e de uma beleza serena,