Aos homens não se oferecem poemas.
Aos homens não se oferecem poemas. Oferecer poemas é como oferecer flores e só as Mulheres da nossa vida têm direito a receber flores.
Também não interessa porque, afinal de contas, o Arturito
não era um homem de grandes leituras. Aliás, ele não teve sequer tempo para se
dedicar a isso.
Recordo, a este respeito, uma carta que enviou a Eduardo
Soares, seu irmão (“não sendo de sangue é-o de peito”), em 25 de agosto de 1950,
então com dezassete anos, que dizia “Eu, como sempre, tenho muito que fazer e
este ano não me vão dar férias, o que é um pouco aborrecido”.
As suas leituras eram as viagens de comboio para ir a feiras
semanais e “às portas”, ainda adolescente. No regresso era preciso assegurar
que naqueles vagões não se perdiam animais. Animais que depois era preciso
guiar desde a estação até à casa do meu Avô e depois para os matadouros da
Maia, do Porto ou de Matosinhos. Sempre a pé.
Começou a trabalhar novo e novo se viu obrigado a lutar,
logo no início dos anos sessenta. Não aceitou a subserviência. E o que fez?
Arregaçou as mangas e foi à luta. E nesta luta foram muitas noites e madrugadas
de ausência, duras, ao frio, à chuva, à neve.
Tenho de ser justo, porque o Arturito era justo. Ele teve camaradas na sua viagem de trabalhador incansável. Não me posso esquecer, entre outros, do Joaquim Nestor, um bom malandro, ou do seu compadre Aureliano, de Miranda do Corvo, que todos os anos lhe dava umas excelentes caçarolas com chanfana!
Daquele Homem saía uma força enorme, que eu admirava quando olhava
os seus braços robustos, enquanto ele fumava o seu Ritz e a seguir bebia o seu
último copo do vinho do Senhor Cruz (E que vinho!).
Embora a sua vida fosse dura, sobrava sempre tempo para as
suas histórias e para as suas surpresas.
Como eu adorava as histórias do Carriço! O Carriço era um
belo cavalo branco, pelo menos é assim no meu imaginário, de quem o Arturito
narrava aventuras fantásticas. Ainda hoje viajamos os três!
O Arturito tinha também a sua faceta marota. Oh Arturito,
não se calcam os pés das mulheres com os cajados nem se soltam os animais, na
feira! O Arturito era um “piruteco” (o termo é dele, para chamar maroto a
alguém)!
O Arturito também nos surpreendia.
Trouxe-nos a cadela das nossas vidas, a Mulata, que resgatou
de uma morte certa. Uma outra vez chegou a casa com um burro, que tinha
comprado a uns senhores de etnia cigana e que fez as nossas delícias. Era uma forma
diferente de dizer que nos amava.
Na sua rudeza, o Arturito era belo.
Eu podia continuar a escrever, indefinidamente, sobre o
Arturito, mas vou ter de terminar.
Prometo que para o ano o vou fazer. As minhas filhas e a
minha neta têm o direito de conhecer um Homem de grande carácter.
Obrigado, Arturito!
(Podem perguntar-se porque é que em novembro escrevo sempre
qualquer coisa sobre Eles. A resposta é fácil, foi neste mês que Eles me
disseram até já).
Comentários
Bem haja.
Isabel Nestor
O "Joaquim" (era assim que o tratávamos) fez o seu percurso entre nós entre a lealdade ao meu Avô e ao meu. Pai.
Vocês tinham um grande Avô!