O velho comunista olhado por um tipo de direita

A ideia de escrever sobre o velho comunista já tem algum tempo. Nasceu numa viagem que fiz à festa do “Avante!”. Durante algum tempo servi de motorista a dois velhos comunistas, já algo cansados, que não tinham capacidade para ir “à Festa”, como eles dizem, sozinhos.

Ir à “Festa do Avante!”, eu que sou assumidamente de direita, não me preocupa.

É um local aprazível, de convívio, com iniciativas interessantes e outras nem por isso. Encontro pessoas de uma área política nos antípodas da minha, algumas que se tornaram minhas amigas, que me respeitam, com algum paternalismo. E diga-se, em abono da verdade, que não tenho que esconder os meus pensamentos liberais!  

Numa dessas viagens fiquei fascinado pela história de vida do velho comunista. Após um início de conversa de surdos, em que eu afirmava que aquela cor era preta e o velho comunista afirmava que aquela cor era branca, rapidamente me apercebi que a conversa não levava a lado nenhum e que estaria a perder uma oportunidade que provavelmente nunca mais me surgiria. E então entrei embrenhei-me nas suas histórias e na história.

O velho comunista é um homem de meia altura, entroncado, aspeto rude e bigode farto. Apesar da sua quarta-classe de adultos, tirada na década de cinquenta na Fábrica dos Carrinhos, na Senhora da Hora, e do terceiro ano da Escola Industrial de Matosinhos, é mais culto e erudito que muitos de nós, que debitamos frases soltas apanhadas nas redes sociais e assim parecemos aquilo que não somos.

Nasceu, lá pelos anos trinta do século passado, numa família indigente que a muito custo lhe permitiu chegar à terceira classe, o que foi uma sorte, pois assim a sua fome ia sendo mitigada, às escondidas, pela professora.

(É triste que não tenhamos aprendido nada e que em pleno século XXI ainda existam escolas que tenham de ficar abertas, para dar de comer a crianças com fome.)

Naquele tempo nem todos tinham direito a ir à escola. As carteiras eram ocupadas, em primeiro lugar, pelos filhos e filhas dos lavradores e pessoas importantes ligadas ao regime, depois pelos filhos dos caseiros e, se sobrasse espaço em redor das carteiras, pelos filhos dos indigentes. Entenda-se como indigente aquele que vive na pobreza, sem recursos financeiros.

O velho comunista conviveu também com um conceito de autoridade bastante enviesado. A autoridade era exercida pelo “juiz de paz”. Esta figura tanto poderia ser o conservador do registo civil, o professor, se fosse do sexo masculino, ou, na ausência destes, uma pessoa “idónea” nomeada pelo ministro da justiça. Uma pessoa “idónea” inevitavelmente ligada ao regime!

(ministro e justiça propositadamente com letras minúsculas).

Com o futuro comprometido, nada mais restou ao rapaz do que fazer-se homem muito cedo e ter de imigrar para a periferia da cidade do Porto, para criado de servir. Isto foi meio caminho andado para a profissão de operário. E os operários continuavam a lidar com uma autoridade musculada e uma repartição da mais-valia um pouco inclinada de mais.

A sua vida foi um contínuo sobressalto, entre fugas à polícia, insurgências na surdina e uma militância sindical exaustiva antes e depois do 25 de abril. E eu escutei, fascinado, histórias que não julguei possíveis.

Eu bem queria explicar ao velho comunista que os paraísos cantados em que ele acredita não existem, do mesmo modo não existem vanguardas esclarecidas. Mas para quê, se o velho comunista não é um comunista.

O velho comunista, afinal, é um romântico!

(Este artigo é um agradecimento a todos os que lutaram para que vivêssemos num país mais justo. Ao mesmo tempo, este artigo é um repúdio a todas ideias xenófobas, racistas e incivilizadas, que ultimamente têm vindo a nos sobressaltar, estupidamente.)

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Todos os dias regresso a ti

agora eu percebo...